Catálogo de Obras do Autor

sábado, 28 de julho de 2007

Vendavais

Já morri incontáveis vezes, por isso já não me assustam as voracidades de pequenos vendavais. Quantas vezes, entre mágoas e dores incontidas, conferiram meus dias, determinando meu ocaso... Já estive tão fundo no poço que nenhum mortal me convencia que o poço era raso. Para mim, na verdade, o poço sequer tinha fundo. Reergui-me, já, tantas vezes, por saber que não foi por acaso que nos foi doado o incalculável poder de estarmos sempre dispostos a recomeçar toda a história. Reerguendo-me foi que aprendi que ereta é nossa posição natural, qualquer coisa diferente disto é coisa, gente não. Quantos são os caminhos que precisamos percorrer até termos a certeza de que, outrora, estávamos certos? Todos os riscos nos cercam, todas as dores nos cercam, todas as águas. Mas é para isto que estamos aqui: para andarmos eretos.

Simão de Miranda

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Tempus Fugit

Há um besouro incomodando-me e não consigo elucidar seu mistério. Por isso a necessidade de compartir, mesmo a contragosto (meu e seu, sei) o ruído ruim que as asas dele provocam. Em um primeiro momento pensei ser um besouro dialético. Levou-me a concluir que vivemos (não apenas você e eu, mas toda a humanidade, sabemos) sempre entre duas opções: falar e silenciar. Muitas vezes silenciamos quando falamos; assim como, silenciando, falamos. Você, o que ouve quando me ouve, seja na fala, seja no silenciar? Não durou muito tempo, passei a considerá-lo um besouro aristotélico, posto que é da natureza dele o zumbizar e nada mais se pode elucubrar. Entretanto, ele fez habitar em mim um sentimento drummoniano com suspiros de angústia enchendo o espaço: tempus fugit! Foge o tempo irreparável! Nada pode deter o tempo, nem o deus Cronos. Quando achamos que avançamos, foi ele que passou por nós. Restou-me, pois, apenas uma clareza iniludível: tempo vivido. Portanto, o tempo passado? Coisa divina e ao mesmo tempo estarrecedora: somos finitos. O hoje não é como o ontem, e o amanhã é incerto. Tempo. Temporal. Ampulheta irreversível. Mas Amado (o Jorge), há muito já alertava que era preciso viver ardentemente.
Simão de Miranda

Mensagem na garrafa

A noite cobriu a cidade e nem o néctar da saliva dos seus lábios generosos... e lanço a ducentésima mensagem na garrafa. Perdoe-me por invadir assim, como herege, seu santuário. Certamente, não és estrela. És constelação inteira. E, assim, ofuscante, meu firmamento ficou pleno de vazio. Com medo, contei as voltas do tic-tac nervoso dos ponteiros das minhas horas que marcam a hora em anos luz a espera da aurora, à espera que me olhasses. O seu silêncio atravanca meu peito, sim. Como vês, estou desarmado. Palavras fluem como um caudal espinhoso de rosas que pecaram lá em maio. Sei que detrás do muro não sei o que há. Mas detrás de seu olhar, uma chama chama. O pó que fica do que queima, teima em não dissipar no vento. O relógio tic-tac e nada! No suspiro final do dia, prorrogo a esperança para terça. Contemplo em silêncio, o seu silêncio. Eis que chegou a noite e ela não durará mais que um lapso de um beijo roubado. Mesmo com o coração dilacerado em tiras, acenderei um sol só para você, enquanto contemplo a garrafa que volta à praia.
Simão de Miranda



MEUS OLHOS ENCONTRAM OS SEUS.


SEUS OLHOS SÃO AGULHAS,


FAGULHAS FERINDO OS MEUS.


SIMÃO DE MIRANDA, do livro O AMOR É UM MAR REVOLTO, Brasília, 1996.


quinta-feira, 19 de julho de 2007

Paixão(?!)



Olhar, apenas, não me satisfazia.
Roubei o beijo, fiz a cena.
Perdoe a pureza do poeta,
Perdoe a ousadia, deusa.
É que o poeta é fraco em demasia.


Simão de Miranda

Da Existência





Eis o grande fascínio da existência:
nunca estar pronto;
portanto, nunca acabar.
Todavia, há uma verdade:
nossa experiência é espelho do tempo,


do qual herdamos a sabedoria.

Simão de Miranda

quinta-feira, 12 de julho de 2007

A ÁGUA DO POÇO DO ESQUECIMENTO



Quero dormir,

sorver a água do poço do esquecimento.

Unir as pálpebras, descansar,

imobilizar-me onde estiver:

num gramado sob a chuva

ou sob o sol a pino, relento.

Sim, quero da água do poço do esquecimento.



Deixe que passem por mim, neste momento,

todas as mulheres belas que pretendi,

o belo anelo que suspirei.

Estarei dormindo encolhido no sibilo do vento.

Dê-me a água do poço do esquecimento.



Quero que me esqueçam:

do que fui ou do que deixei de ser.

As minhas culpas protestem no cartório,

do meu legado façam uso a contento.

Já traguei da água do poço do esquecimento.



Vou sumir, fechar-me no meu apartamento

sob sete chaves, sete cobertores.

Não me liguem, não me procurem,

não me submetam a esse tormento...

Lá se foi a água do poço do esquecimento!



Simão de Miranda, do livro "Boemia Prática em 40 Lições", Brasília, Editora Thesaurus, 1993.


segunda-feira, 9 de julho de 2007

CANDURA




Murmúrios preciosos,
Fragrância,
Frenesi...
O afeto,
O olfato,
O fervor,
A candura dos olhares.
Sem música,
Há harmonia, mesmo assim.
A voragem plenifica tudo à nossa volta.

Simão de Miranda

segunda-feira, 2 de julho de 2007

MISENCENE

AMOR:


TODO O MUITO NÃO É O BASTANTE,


NEM ESSA ELOQÜÊNCIA TEATRAL,


NEM A MORBIDEZ DESSE INSTANTE.


TOMASTES DE ASSALTO O MEU CÉU,


LEVANDO EMBORA AS ÚLTIMAS ESTRELAS QUE EU TINHA,


E EU FIQUEI A VER NAVIOS.


Simão de Miranda, Versículos para os Intervalor, Brasília, 1987.

POEMA SEM CÉU


Nos teus braços

navego sem bússola,

nos teus olhos

tomo essa nave louca,

no sabor de tuas ondas,

me afogo no céu da tua boca.


Simão de Miranda, Versículos para os Intervalos, Brasília, 1987.

O ZOO LÓGICO (OU A NOVA ERA VELHA)


Eu e minha macaca,

nos domingos de sol,

vamos dar pipocas

aos homens.

Simão de Miranda, Versículos para os Intervalos, Brasília, 1987.

O ÂNGULO OPOSTO



linhas e curvas

e esse mal não tem cura

teu corpo... teu corpo inteiro

é geometria pura.

Simão de Miranda, Versículos para os Intervalos, Brasília, 1987.

O LIVRE ARBÍTRIO


SOU UM PACIFISTA CONVICTO:
OFERECEO LIBERDADE AOS PÁSSAROS,
DEPOIS DE CORTAR-LHES AS ASAS.
Simão de Miranda (Versículos para os Intervalos, Brasília, 1987)

2007: 20 ANOS DO MEU PRIMEIRO LIVRO!



Em setembro deste ano completam-se 20 anos da publicação do meu primeiro livro, VERSÍCULOS PARA OS INTERVALOS: POEMAS RÁPIDOS PARA QUEM TEM PRESSA. Meu Deus, como o tempo desembestou! De lá para cá já são 22 e mais três para sair ainda este ano... e muita gente interessante que os leram. Resolvi fazer aqui uma espécie de túnel do tempo, recuperando alguns dos poemas daquele livro, que de uma grande brincadeira, e foi se se transformando num grande compromisso com a literatura.